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TRADUTOR

Saturday, February 19, 2011

TEMPORAL DE TODOS


A mais nova poesia maranhense não dança na cadência estrófica das valsas casemirianas com seus saudosos enleios infantis. A saudade, tema romântico por excelência, tampouco lhe ampara a visualização memorialística do que passou. Nossos jovens poetas não flagram na retina de suas pupilas, que eu diria precocemente anoitecidas, nem sequer a lembrança buñuelesca daquela bela da tarde, mas somente, e quando muito, o vento de nenhum tempo a soprar-lhes a carnadura, também verbal, de “um balanço de jazz”. Seus versos caem em estrofes sequenciadas pela cadência dos sons em monoblocos rítmicos partidos em apenas três ou quatro sílabas. Há como que um retraimento de espaço físico nessa contenção implodida pela reconstrutividade necessária a um novo edifício. A “aurora da vida” não mais lhes traz os raios luminosos filtrados pelos pavios, talvez em cinzas, de uma recapturação temporal para eles desnecessária. São esses jovens poetas duros como a pedra cabralina. “Nos rios ao norte do futuro”, no vislumbre que lhes concedeu a antevisão de quem, mártir de todos eles, realmente viu e viveu carregando “sonhos escritos por pedras”, eles seguem, aqui na província são-luisense, vivendo de e para a poesia, debaixo desse Temporal, cantado por Marcello Chalvinski.
Se Paul Celam, autor dos versos acima citados, buscou o suicídio físico pela água universal e apátrida do Sena, buscando encontrar nele as cinzas de sua família exterminada nos campos de concentração nazistas, a “educação pela chuva”, água do ventre umbilical, serve para este jovem poeta fixar seus olhos nessa “didática translúcida”, a lhe ensinar a “liquidez verbal”,


“ácida,
orográfica,

pura”.


Os pensamentos deste jovem poeta seguem passo a passo a visualização das coisas na exclusão de uma consensualidade unívoca, pertencente a um patrimônio lingüístico coletivo, gasto e superado pelo uso mistificador dos séculos.
Miscigenando hipertextos com algaravias de esdrúxulas e necessárias metáforas sem sustentação lógica, como poeta que é “do álcool e dos trovões”, “do relâmpago à paixão”, esta poesia incorpora assim a partitura contextual de vários poetas, no sopro lírico de uma modernidade por ele apreendida com inteligência e sensibilidade. E, o que é mais importante, com a continuada reciclagem de um temperamento que se sabe filho, ou rebento fronteiriço, deste nosso século XXI.




Nauro Machado

Tira-gosto