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TRADUTOR

Sunday, December 22, 2013

COISA REAL







Porque sei que a medida
De um homem é seu poema,
Que o poema é do homem
Seu tamanho real,

Minha função é a de um cego
Debaixo de uma ponte,
A subir pela mente
Sem as luzes do sol.

Servos da eterna noite,
Vendo apenas o tempo
Entre beijos do efêmero
E os abraços do vento,

Meus olhos, voltados
Para dentro, são sólidos
Como os de dois pregos
Por uma tábua entrando.

Para compreender
A insignificância
Do mundo circundante,
As flores, quando as colho,

São de um chão inexistente
Nas corolas do azul.
Como palavra andando
Num coração humano

Que jamais morrerá,
Só no poema eu existo
Para a ressurreição
Até das minhas vísceras.



Nauro Machado

(Percurso de Sombras  – Contracapa – 2013)




Friday, December 20, 2013

A PANTERA



DER PANTHER
Rainer Maria Rilke

Im Jardin des Plantes, Paris

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden,dass er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein grosser Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf -. Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille -
und hört im Herzen auf zu sein.
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A PANTERA
Rainer Maria Rilke
(Trad. Augusto de Campos)



(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.
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A PANTERA
Rainer Maria Rilke
(Trad. Geir Campos)


(No Jardin des Plantes, Paris)

Varando a grade, a nada mais se agarra
o olhar tomado de um torpor profundo:
para ela é como se houvesse mil barras
e, atrás dessas mil barras, nenhum mundo.

Seu firme andar de passos gráceis, dentro
dum círculo talvez muito apertado,
é uma dança de força em cujo centro
ergue-se um grande anseio atordoado.

De raro em raro, só, o véu das pupilas
abre-se sem ruído — e deixa entrar
a imagem, que sobe, pelas tranqüilas
patas, ao coração, para aí ficar.

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A PANTERA
Rainer Maria Rilke
(Trad. José Paulo Paes)


(No Jardin des Plantes, Paris)

Seu olhar, de tanto percorrer as grades,
está fatigado, já nada retém.
É como se existisse uma infinidade
de grades e mundo nenhum mais além.

O seu passo elástico e macio, dentro
do círculo menor, a cada volta urde
como que uma dança de força: no centro
delas, uma vontade maior se aturde.

Certas vezes, a cortina das pupilas
ergue-se em silêncio. – Uma imagem então
penetra, a calma dos membros tensos trilha –
e se apaga quando chega ao coração.





Artwork Tom Colbie

Tuesday, December 03, 2013

O PAI, A MÃE, O FILHO, A FILHA





O pai se pendeu

em lugar da pêndula.

A mãe está muda.

A filha está muda.

O filho está mudo.

Todos os três seguem

O tiquetaque do pai.

A mãe é de ar.

O pai voa através da mãe.

O filho é um dos corvos

da praça de São Marcos de Veneza.

A filha é um pombo-correio.

A filha é doce.

O pai come a filha.

A mãe corta o pai em dois

come-lhe uma metade

e oferece a outra ao filho.

O filho é uma vírgula.

A filha não tem cauda nem cabeça.

a mãe é um ovo galado.

Da boca do pai

pendem caudas de palavras.

A filha é uma pá quebrada.

O pai é pois forçado

a lavrar a terra

com sua longa língua.

A mãe segue o exemplo de Cristóvão Colombo.

Anda sobre suas mãos nuas

e agarra com seus pés nus

um ovo de ar após o outro.

A filha remenda o desgaste de um eco.

A mãe é um céu cinza

em que se arrasta embaixo bem embaixo

um pai de papel mata-borrão

coberto de manchas de tinta.

O filho é uma nuvem.

Quando chora chove.

A filha é uma lágrima imberbe.








POEMA: HANS ARP
ARTE: TOM COLBIE

Tira-gosto