Sunday, February 20, 2011
A TEMPESTADE DE MARCELLO
O poeta Marcello Chalvinski constrói este Temporal para educar-nos pela chuva e deixar-nos levar, sem amarguras, pelos vendavais do coração, ainda que, por um relâmpago, possamos vê-lo bipartido parafusado às consoantes.
O ar cinza contém verdades e silêncios com pequenos seios a desfazer telhados, enquanto a vida chove caudalosa e larval a desembocar no mar, a ser singrado com seus versos de argonauta e seu olhar titânico, para seduzir o sábado como se ainda a alma fosse límpida.
A chuva, que constrói, transforma-se em tempestade com olhos no lampejo abissal de suas raízes. Fotografando lábios carmim e mamilos eriçados, percorre a verticalidade da paixão e zarpa o coração com velames abertos, no momento em que o escuro assombroso cobre a fantasmagórica cidade.
Na idéia do tempo, navega a vida como se as tardes fossem vivas de cogumelos temporais e engendra o cavaleiro urubu-rei, pária das araucárias, a cantar as prostitutas de Maldoror, Macondo e Pasárgada.
Um giro de saias entre lírios e canhões arde em seus desejos. Antes que o último coqueiro possa prescindir da última pétala e singrar ventanias, dirá com os olhos úmidos: Bárbara menina minha tua beleza é rara e Luísa minha musa aproveita a lua que tudo é bruma.
Um festim de balas soa a canção metálica e liberta os cabelos da noite ardente, como um balanço de jazz que liquefaz a menina que brinca na chuva.
Marcello acende um cigarro e o Temporal cessa.
ZéMaria Medeiros