La chaise où je m'assieds, la natte où je me couche,
La table où je t'écris, .............................................
Mes gros souliers ferrés, mon bâton, mon chapeau,
Mes livres pêle-mêle entassés sur leur planche.
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De cet espace étroit sont tout l'ameublement.
Jocelyn
Lamartine
I
Ossian o bardo é triste como a sombraQue seus cantos povoa. O LamartineÉ monótono e belo como a noite,Como a lua no mar e o som das ondas...Mas pranteia uma eterna monodia,Tem na lira do gênio uma só corda,Fibra de amor e Deus que um sopro agita:Se desmaia de amor a Deus se volta,Se pranteia por Deus de amor suspira.Basta de Shakespeare. Vem tu agora,Fantástico alemão, poeta ardenteQue ilumina o clarão das gotas pálidasDo nobre Johannisberg! Nos teus romancesMeu coração deleita-se... ContudoParece-me que vou perdendo o gosto,Vou ficando blasé, passeio os dias Pelo meu corredor, sem companheiro,Sem ler, nem poetar. Vivo fumando.Minha casa não tem menores névoasQue as deste céu d'inverno... SolitárioPasso as noites aqui e os dias longos;Dei-me agora ao charuto em corpo e alma;Debalde ali de um canto um beijo implora,Como a beleza que o Sultão despreza,Meu cachimbo alemão abandonado!Não passeio a cavalo e não namoro;Odeio o lansquenet. . . Palavra d'honra!Se assim me continuam por dois mesesOs diabos azuis nos frouxos membros,Dou na Praia Vermelha ou no Parnaso.
II Enchi o meu salão de mil figuras.Aqui voa um cavalo no galope,Um roxo dominó as costas voltaA um cavaleiro de alemães bigodes,Um preto beberrão sobre uma pipa.Aos grossos beiços a garrafa aperta... Ao longo das paredes se derramam Extintas inscrições de versos mortos,E mortos ao nascer. . . Ali na alcovaEm águas negras se levanta a ilhaRomântica, sombria à flor das ondasDe um rio que se perde na floresta...Um sonho de mancebo e de poeta,El-Dorado de amor que a mente criaComo um Éden de noites deleitosas...Era ali que eu podia no silêncioJunto de um anjo. . . Além o romantismo!Borra adiante folgaz caricaturaCom tinta de escrever e pó vermelhoA gorda face, o volumoso abdômen,E a grossa penca do nariz purpúreoDo alegre vendilhão entre botelhasMetido num tonel... Na minha cômodaMeio encetado o copo inda verberaAs águas d'oiro do Cognac fogoso.Negreja ao pé narcótica botelhaQue da essência de flores de laranjaGuarda o licor que nectariza os nervos.Ali mistura-se o charuto HavanoAo mesquinho cigarro e ao meu cachimbo.A mesa escura cambaleia ao pesoDo titânio Digesto, e ao lado deleChilde-Harold entreaberto ou LamartineMostra que o romantismo se descuida E que a poesia sobrenada sempreAo pesadelo clássico do estudo.
III Reina a desordem pela sala antiga,Desce a teia de aranha as bambinelasA estante pulvurenta. A roupa, os livrosSobre as cadeiras poucas se confundem.Marca a folha do Fausto um colarinhoE Alfredo de Musset encobre às vezesDe Guerreiro ou Valasco um texto obscuro.Como outr’ora do mundo os elementosPela treva jogando cambalhotas,Meu quarto, mundo em caos, espera um Fiat!
IV Na minha sala três retratos pendem.Ali Victor Hugo. Na larga fronteErguidos luzem os cabelos loirosComo c'roa soberba. Homem sublime,O poeta de Deus e amores purosQue sonhou Triboulet, Marion DelormeE Esmeralda a Cigana... e diz a crônicaQue foi aos tribunais parar um diaPor amar as mulheres dos amigosE adúlteros fazer romances vivos.
V Aquele é Lamennais — o bardo santo,Cabeça de profeta, ungido crente,Alma de fogo na mundana argilaQue as harpas de Sion vibrou na sombra,Pela noite do século chamandoA Deus e à liberdade as loucas turbas.Por ele a George Sand morreu de amores,E dizem que. . . Defronte, aquele moçoPálido, pensativo, a fronte erguida,Olhar de Bonaparte em face Austríaca,Foi do homem secular as esperanças.No berço imperial um céu de AgostoNos cantos de triunfo despertou-o...As águias de Wagram e de MarengoAbriam flamejando as longas asasImpregnadas do fumo dos combates,Na púrpura dos Césares, guardando-o.E o gênio do futuro pareciaPredestiná-lo à glória. A história dele?... Resta um crânio nas urnas do estrangeiro...Um loureiro sem flores nem sementes... E um passado de lágrimas... A terraTremeu ao sepultar-se o Rei de Roma.Pode o mundo chorar sua agoniaE os louros de seu pai na fronte deleInfecundos depor... Estrela morta,Só pode o menestrel sagrar-te prantos!
VI Junto a meu leito, com as mãos unidas,Olhos fitos no céu, cabelos soltos,Pálida sombra de mulher formosaEntre nuvens azuis pranteia orando.É um retrato talvez. Naquele seioPorventura sonhei doiradas noites:Talvez sonhando desatei sorrindoAlguma vez nos ombros perfumadosEsses cabelos negros, e em delíquioNos lábios dela suspirei tremendo.Foi-se minha visão. E resta agoraAquela vaga sombra na parede— Fantasma de carvão e pó cerúleo,Tão vaga, tão extinta e fumarentaComo de um sonho o recordar incerto.VII Em frente do meu leito, em negro quadroA minha amante dorme.É uma estampaDe bela adormecida. A rósea faceParece em visos de um amor lascivoDe fogos vagabundos acender-se...E com a nívea mão recata o seio...Oh! quantas vezes, ideal mimoso,Não encheste minh'alma de ventura,Quando louco, sedento e arquejante,Meus tristes lábios imprimi ardentesNo poento vidro que te guarda o sono! VIII O pobre leito meu desfeito aindaA febre aponta da noturna insônia.Aqui lânguido a noite debati-meEm vãos delírios anelando um beijo...E a donzela ideal nos róseos lábios,No doce berço do moreno seioMinha vida embalou estremecendo...Foram sonhos contudo. A minha vidaSe esgota em ilusões. E quando a fadaQue diviniza meu pensar ardenteUm instante em seus braços me descansa E roça a medo em meus ardentes lábiosUm beijo que de amor me turva os olhos,Me ateia o sangue, me enlanguesce a fronte,Um espírito negro me desperta,O encanto do meu sonho se evaporaE das nuvens de nácar da venturaRolo tremendo à solidão da vida!
IX Oh! ter vinte anos sem gozar de leveA ventura de uma alma de donzela!E sem na vida ter sentido nuncaNa suave atração de um róseo corpoMeus olhos turvos se fechar de gozo!Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhasPassam tantas visões sobre meu peito!Palor de febre meu semblante cobre,Bate meu coração com tanto fogo!Um doce nome os lábios meus suspiram,Um nome de mulher... e vejo lânguidaNo véu suave de amorosas sombrasSeminua, abatida, a mão no seio,Perfumada visão romper a nuvem,Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebrasO alento fresco e leve como a vidaPassar delicioso. . . Que delírios!Acordo palpitante... inda a procuro;Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimasBanham meus olhos, e suspiro e gemo...Imploro uma ilusão. . . tudo é silêncio!Só o leito deserto, a sala muda!Amorosa visão, mulher dos sonhos,Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!Nunca virás iluminar meu peitoCom um raio de luz desses teus olhos?
X Meu pobre leito! eu amo-te contudo! Aqui levei sonhando noites belas,As longas horas olvidei libandoArdentes gotas de licor doirado,Esqueci-as no fumo, na leituraDas páginas lascivas do romance... Meu leito juvenil, da minha vidaÉs a página d'oiro. Em teu asiloEu sonho-me poeta, e sou ditoso,E a mente errante devaneia em mundosQue esmalta a fantasia! Oh! quantas vezes Do levante no sol entre odaliscasMomentos não passei que valem vidas!Quanta música ouvi que me encantava!Quantas virgens amei! que Margaridas,Que Elviras saudosas e ClarissasMais trêmulo que Fausto eu não beijava,Mais feliz que Don Juan e LovelaceNão apertei ao peito desmaiando!Ó meus sonhos de amor e mocidade,Por que ser tão formosos, se devíeisMe abandonar tão cedo... e eu acordavaArquejando a beijar meu travesseiro?
XI Junto do leito meus poetas dormem— O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron —Na mesa confundidos. Junto delesMeu velho candeeiro se espreguiçaE parece pedir a formatura.Ó meu amigo, ó velador noturno,Tu não me abandonaste nas vigílias,Quer eu perdesse a noite sobre os livros,Quer, sentado no leito, pensativoRelesse as minhas cartas de namoro!Quero-te muito bem, ó meu comparsaNas doudas cenas de meu drama obscuro!E n’um dia de spleen, vindo a pachorra,Hei de evocar-te n’um poema heróicoNa rima de Camões e de AriostoComo padrão às lâmpadas futuras!
XII Aqui sobre esta mesa junto ao leitoEm caixa negra dous retratos guardo.Não os profanem indiscretas vistas.Eu beijo-os cada noite: neste exílioVenero-os juntos e os prefiro unidos— Meu pai e minha mãe.— Se acaso um diaNa minha solidão me acharem morto,Não os abra ninguém. Sobre meu peitoLancem-os em meu túmulo.Mais doce Será certo o dormir da noite negraTendo no peito essas imagens puras.
XIII Havia uma outra imagem que eu sonhavaNo meu peito na vida e no sepulcro.Mas ela não o quis... rompeu a telaOnde eu pintara meus doirados sonhos. Se posso no viver sonhar com ela,Essa trança beijar de seus cabelosE essas violetas inodoras, murchas,Nos lábios frios comprimir chorando,Não poderei na sepultura, ao menos,Sua imagem divina ter no peito.
XIV Parece que chorei... Sinto na faceUma perdida lágrima rolando...Satã leve a tristeza! Olá, meu pajem,Derrama no meu copo as gotas últimasDessa garrafa negra... Eia! bebamos!És o sangue do gênio, o puro néctarQue as almas de poeta diviniza,O condão que abre o mundo das magias!Vem, fogoso Cognac! É só contigoQue sinto-me viver. Inda palpito,Quando os eflúvios dessas gotas áureasFiltram no sangue meu correndo a vida,Vibram-me os nervos e as artérias queimam,Os meus olhos ardentes se escurecemE no cérebro passam delirososAssomos de poesia...Dentre a sombraVejo n’um leito d'oiro a imagem delaPalpitante,que dorme e que suspira,Que seus braços me estende... Eu me esquecia: Faz-se noite; traz fogo e dous charutosE na mesa do estudo acende a lâmpada...Álvares de Azevedo
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