Que noite fria! Na deserta rua
Tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
Ladram de tédio vinte cães vadios.
Nini formosa! por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vós?... Meu coração é triste
Como um calouro quando leva ponto.
A passos largos eu percorro a sala
Fumo um cigarro, que filei na escola...
Tudo no quarto de Nini me fala
Embalde fumo... tudo aqui me amola.
Diz-me o relógio cinicando a um canto
"Onde está ela que não veio ainda?"
Diz-me a poltrona "por que tardas tanto?
Quero aquecer-te rapariga linda."
Em vão a luz da crepitante vela
De Hugo clarcia uma canção ardente;
Tens um idílio — em tua fronte bela...
Um ditirambo— no teu seio quente...
Pego o compêndio... inspiração sublime
P'ra adormecer... inquietações tamanhas...
Violei à noite o domicílio, ó crime!
Onde dormia uma nação... de aranhas...
Morrer de frio quando o peito é brasa...
Quando a paixão no coração se aninha!?...
Vós todos, todos, que dormis em casa,
Dizei se há dor, que se compare à minha!...
Nini! o horror deste sofrer pungente
Só teu sorriso neste mundo acalma...
Vem aquecer-me em teu olhar ardente...
Nini! tu és o cache-nez dest'alma.
Deus do Boêmio!... São da mesma raça
As andorinhas e o meu anjo louro...
Fogem de mim se a primavera passa
Se já nos campos não há flores de ouro...
E tu fugiste, pressentindo o inverno.
Mensal inverno do viver boêmio...
Sem te lembrar que por um riso terno
Mesmo eu tomara a primavera a prêmio..
No entanto ainda do Xerez fogoso
Duas garrafas guardo ali... Que minas!
Além de um lado o violão saudoso
Guarda no seio inspirações divinas...
Se tu viesses... de meus lábios tristes
Rompera o canto... Que esperança inglória...
Ela esqueceu o que jurar lhe vistes
Ó Paulicéia, ó Ponte-grande' ó Glórial...
Batem!... que vejo! Ei-la afinal comigo...
Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
Nini! pequei... dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braços... do martírio a cruz!...
Castro Alves