A CARTA
Assim não se esperam cartas.
Assim se espera - a carta.
Pedaço de papel
Com uma borda
De cola. Dentro - uma palavra
Apenas. Isto é tudo.
Assim se espera - a carta.
Pedaço de papel
Com uma borda
De cola. Dentro - uma palavra
Apenas. Isto é tudo.
Assim não se espera o bem.
Assim se espera - o fim:
Salva de soldados,
No peito - três quartos
De chumbo. Céu vermelho.
E só. Isto é tudo.
Assim se espera - o fim:
Salva de soldados,
No peito - três quartos
De chumbo. Céu vermelho.
E só. Isto é tudo.
Felicidade? E a idade?
A flor - floriu.
Quadrado do pátio:
Bocas de fuzil.
A flor - floriu.
Quadrado do pátio:
Bocas de fuzil.
(Quadrado da carta:
Tinta, tanto!)
Para o sono da morte
Viver é bastante.
Tinta, tanto!)
Para o sono da morte
Viver é bastante.
Quadrado da carta.
(Trad. Augusto de Campos)
À VIDA
Não roubarás minha cor
Vermelha, de rio que estua.
Sou recusa: és caçador.
Persegues: eu sou a fuga.
Vermelha, de rio que estua.
Sou recusa: és caçador.
Persegues: eu sou a fuga.
Não dou minha alma cativa!
Colhido em pleno disparo,
Curva o pescoço o cavalo
Árabe -
E abre a veia da vida.
Colhido em pleno disparo,
Curva o pescoço o cavalo
Árabe -
E abre a veia da vida.
(Trad. Haroldo de Campos)
À VIDA
Não colherás no meu rosto sem ruga
A cor, violenta correnteza.
És caçadora - eu não sou presa.
És a perseguição - eu sou a fuga.
Não colherás viva minha alma!
Acossado, em pleno tropel,
Arqueia o pescoço e rasga
A veia com os dentes - o corcel
Árabe
A cor, violenta correnteza.
És caçadora - eu não sou presa.
És a perseguição - eu sou a fuga.
Não colherás viva minha alma!
Acossado, em pleno tropel,
Arqueia o pescoço e rasga
A veia com os dentes - o corcel
Árabe
(Trad. Augusto de Campos)
Silêncio, palmas!
Cessa o teu apelo,
Sucesso!
Um só palmo:
Mesa e cotovelo.
Cessa o teu apelo,
Sucesso!
Um só palmo:
Mesa e cotovelo.
Cala-te, festa!
Cotação, contém-te!
Cotovelo e testa.
Cotovelo e monte.
Cotação, contém-te!
Cotovelo e testa.
Cotovelo e monte.
Juventude - rir.
Velhice - aquecer.
Que tempo pra ser?
Para onde ir?
Velhice - aquecer.
Que tempo pra ser?
Para onde ir?
Mesmo num tugúrio,
Sem uma pessoa:
Torneira - murmúrio,
Cadeira - ressoa,
Sem uma pessoa:
Torneira - murmúrio,
Cadeira - ressoa,
Boca recomenda
- Mole caramelo -
Mais uma comenda
"Pelo amor do Belo".
- Mole caramelo -
Mais uma comenda
"Pelo amor do Belo".
Se vocês soubessem,
Longe ou perto, gente,
Como esta cabeça
Me deixa doente -
Deus numa quadrilha!
A estepe é vala,
Paraíso - ilha
Onde não se fala.
Longe ou perto, gente,
Como esta cabeça
Me deixa doente -
Deus numa quadrilha!
A estepe é vala,
Paraíso - ilha
Onde não se fala.
Macho - animal,
Dono - vender!
A Deus é igual
O que me der
Dono - vender!
A Deus é igual
O que me der
(Venham de vez
Dias a juros!)
Pata a mudez -
Quatro muros.
Dias a juros!)
Pata a mudez -
Quatro muros.
(Trad. Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)
NEREIDA
Nereida! Onda!
Ela. Eu. Nós dois.
Nada além de
Onda ou náiade.
Ela. Eu. Nós dois.
Nada além de
Onda ou náiade.
Teu nome, tumba,
Reconheço, onde for,
Na fé - o altar, no altar - a cruz.
O terceiro, no amor.
Reconheço, onde for,
Na fé - o altar, no altar - a cruz.
O terceiro, no amor.
Abro as veias: irreprimível,
Irrecuperável, a vida vaza.
Ponham embaixo vasos e vasilhas!
Todas as vasilhas serão rasas,
Parcos os vasos.
Irrecuperável, a vida vaza.
Ponham embaixo vasos e vasilhas!
Todas as vasilhas serão rasas,
Parcos os vasos.
Pelas bordas - à margem -
Para os veios negros da terra vazia,
Nutriz da vida, irrecuperável,
Irreprimível, vaza a poesia.
Para os veios negros da terra vazia,
Nutriz da vida, irrecuperável,
Irreprimível, vaza a poesia.
(Trad. Augusto de Campos)